Reunimos neste post duas materias e quatro videos las historia de ais de dois centernares de familias que protagonizarão ua historia urbana que ocupo os titualres da idia maior
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Cerca de 257 famílias estão acampadas em frente à Câmara. Atendimento emergencial da prefeitura é ofertado para apenas 98 famílias
Após 13 dias de acampamento em frente à Câmara Municipal de São Paulo, um grupo de sem-teto ainda aguarda atendimento. Das 257 famílias acampadas, a prefeitura ofereceu atendimento a somente 98.
De acordo com o coordenador da Frente de Luta por Moradia (FLM), Osmar Borges, até que o atendimento a todas as 257 famílias seja garantido, o acampamento será mantido. “Nós decidimos que só sairemos daqui quando todas as famílias forem atendidas”, ressalta.
VIDEOS:
*Materia1: de "Profissão Reporter" na Ocupação Ipiranga
*Materia2: de "Profissão Reporter" na Ocupação Ipiranga
*Reintegração de posse da Ocupação Ipiranga
*Materia de "Profissão Reporter"na CMSP
Borges explica que das 1.200 famílias que ocupavam o prédio da Avenida Ipiranga – que teve reintegração de posse cumprida no último dia 25 – são estas 257 que necessitam de atendimento emergencial, pois não têm para onde ir.
“As famílias permanecem debaixo de lonas, com crianças e idosos, sob sol e chuva”, relata o sem-teto.
Ele afirma que a prefeitura ofereceu apenas o encaminhamento a albergues espalhados pela cidade àqueles que ficaram fora do cadastramento. No entanto, as famílias não aceitaram tal solução, que não contempla a reivindicação de moradia digna. “Não aceitamos ir para albergues, porque isto desintegraria as famílias”, explica o coordenador da FLM.
Acampamento
Inicialmente o acampamento foi formado pelas 540 famílias que haviam sido retiradas, no dia 18 de novembro, do prédio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na Avenida Nove de Julho. Com a reintegração de posse do prédio da Avenida Ipiranga, os sem-teto que o ocupavam se juntaram ao acampamento.
Com o passar dos dias e a falta de atendimento, parte das famílias se dispersou para outros locais, restando as 257 que agora dependem do atendimento emergencial.
A prefeitura, de acordo com o sem-teto, alega falta de verba para atender a todas as famílias. “Nós defendemos que dá para buscar a captação de recursos junto a outros órgãos para atender todas as famílias. Se a prefeitura diz que não tem recursos, as famílias têm muito menos”, protesta.
Apesar da reintegração de posse dos prédios das avenidas Nove de Julho e Ipiranga, permanecem as ocupações dos prédios das avenidas Prestes Maia e São João. Os quatro imóveis foram ocupados no dia 4 de outubro.
Negociações
Os sem-teto conseguiram nesta última semana reuniões com os órgãos responsáveis pelos prédios ocupados e com órgãos oficiais a fim de se chegar a uma solução para o impasse.
No dia 24, uma representação da FLM esteve em Brasília para uma reunião com o ministro da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, e a Secretária Nacional de Habitação, Inês Magalhães. A reunião tratou da situação dos sem-teto no estado e também da desapropriação do prédio do INSS, abandonado há mais de 20 anos.
O resultado foi a promessa de que, em 30 dias, as empresas interessadas em realizar o projeto de transformação do imóvel em moradia popular serão chamadas para início dos trabalhos. Será realizado um estudo de viabilidade de reforço da estrutura do prédio ou demolição. Conforme Borges, o laudo da estrutura terá que ser divulgado para que as obras no prédio comecem. Ainda é necessário que o INSS e a Caixa Econômica Federal (CEF) negociem com a Sabesp e a Eletropaulo o pagamento de dívidas que chegam a R$ 400 mil.
Além da reunião em Brasília, representantes da FLM estiveram com a Superintendente para Habitação Popular da Prefeitura de São Paulo, Elizabeth França, no último dia 25. O encontro resultou no inicio do cadastramento das famílias, porém sem a garantia de atendimento a todos.
Os sem-teto também têm mantido conversações com vereadores e com o Ministério Público de São Paulo. “Estamos fazendo uma movimentação junto ao Ministério Público e uma movimentação política junto aos vereadores para denunciar que esta situação é uma violação aos direitos humanos”, conta o coordenador da FLM.
“Tivemos uma reunião com o promotor João Paulo França Piva, que instaurou um inquérito para apurar a questão dos prédios vazios e ele se comprometeu a fazer um requerimento à Secretaria de Habitação para que resolva a situação das famílias”, relata Borges. O inquérito foi instaurado pelo promotor de Justiça no dia 11 de novembro.
1º/12/2010
Michelle Amaral da Redação Brasil de Fato
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Às 8h51 da quinta-feira 25, a retirada de uma bandeira da Frente de Luta por Moradia (FLM) da fachada do número 905 da Avenida Ipiranga, no centro velho de São Paulo, simbolizou a volta às ruas de 1,1 mil sem-teto. Ao som de Vida de Gado, de Zé Ramalho, e sob os olhares do Batalhão de Choque da Polícia Militar, da Guarda Civil Metropolitana e do Corpo de Bombeiros, a reintegração de posse pedida pela construtora Camargo Corrêa ocorreu de forma pacífica, pondo fim à aventura de 840 famílias que, por quase dois meses, assumiram o local. Sem outro destino previsto, as famílias se juntaram a outro grupo de sem-teto acampado defronte à Câmara Municipal. Uma semana antes, esse grupo fora igualmente despejado de outro endereço da região. A execução da reintegração de posse do prédio vai muito além de simplesmente agravar o complexo problema de habitação da cidade de São Paulo. Representa, também, o desmantelamento de uma engrenagem de organização coletiva inimaginável a quem, de fora, tende a olhar as ocupações do tipo sob os clichês típicos dos bem-nascidos – notadamente, a ideia de tratar-se de ajuntamento de vagabundos, quando não de marginais. Não seria com esse perfil de ocupantes que o prédio em questão, frequentado por ratazanas e baratas nos últimos anos, conseguiria estabelecer uma dinâmica social – e funcional – que atenuou ao menos outros dois problemas que invariavelmente acompanham os sem-teto: a fome e a higiene pessoal.
Não é pouca coisa. O grupo chegara ao prédio na madrugada de 3 para 4 de outubro. Segundo a coordenadora do FLM, Maria Aparecida Ferreira, conhecida como Maria do Planalto – que circulou com a reportagem pelo prédio, dois dias antes da reintegração –, as pessoas entraram a partir de um buraco na parede. A polícia reprimiu no início, com bombas, sem sucesso. Mas, às 11 horas do dia 4, o Batalhão de Choque cercou o prédio: ninguém saía e ninguém entrava. O cerco só acabaria às 22 horas, quando, do ponto de vista jurídico, a situação deixava de ser invasão para ser ocupação. A partir daí, começava o desafio de tornar o local habitável. Foram nove dias para remover entulhos, que encheram 15 caminhões. “A gente amarrava o lixo em cobertor velho e o pessoal arrastava pela escada”, lembra Maria. Nos primeiros dias, procuraram uma igreja católica das cercanias para que pudessem abastecer garrafas com água, mas o padre vetou. “Só quem nos ajudou foi a lanchonete da esquina e outro bar da Avenida Rio Branco.” Após alguns dias, conseguiram ligar a eletricidade e a água encanada. Um chuveiro masculino e outro feminino foram montados para banho. A cada dia da semana um grupo de pessoas era designado a acordar às 4 da manhã para conseguir na Ceasa, ali nas cercanias, doações de verduras, legumes e frutas. As refeições, feitas de forma coletiva, seguiam horários estabelecidos.
Havia duas cozinheiras fixas e uma equipe de ajudantes se revezava a cada dia. A faxina das escadas seguia um esquema de revezamento. Em cada um dos 14 andares do prédio de 80 apartamentos, a escala de tarefas aparecia em cartazes pregados na parede, sob responsabilidade de um coordenador. “As senhorinhas que não podem fazer trabalho pesado cortam cebola, tomate. Ninguém pode ficar se sentindo coitadinho”, determinava Maria. Quem não podia se dedicar às tarefas do coletivo, por conta de outros empregos, contribuía com um pacote de arroz, um litro de leite. “Por isso a comida não acaba”, conta a líder, embora com a ressalva: “Mas carne faz tempo que não tem”. A FLM impunha regras exigentes quanto ao comportamento dos integrantes. Se alguém chegasse embriagado ao prédio, era obrigado a sair e procurar um albergue para dormir. “A pessoa quando bebe se sente forte e dá trabalho”, justifica Maria. A punição era ainda mais severa com alguém pego portando ou usando drogas: expulsão do movimento. Ela cita o caso de um dos integrantes, Francisco, pai de três filhos, alcoólatra e drogado. “Deixei bem claro: ou conserta ou não pode ficar.” A segunda chance, no caso, só foi permitida porque ela é contra o autoritarismo. “Se você põe para fora direto, você cometeu a mesma coisa que o governo está fazendo com a gente”, teorizou. “Mas já faz 12 dias que ele não bebe e nunca mais saiu.” Maria do Planalto é mais que uma liderança para esse grupo de sem-teto. Muitos a chamam de Mãe. Originalmente, as 840 famílias que acabam de deixar o prédio na Ipiranga para voltar às ruas saíram de uma favela da zona leste, o Alto Alegre, desmanchada há um ano por ter sido erguida em terreno grilado. Desde lá, Maria vem na frente da batalha.
Aprendeu a “gostar do movimento”, desde que levantou a própria casa, num esquema de mutirão, na Fazenda da Juta, também na zona leste – até 1987, ela morava de favor no quintal da casa da mãe, com o marido e as três filhas. Uma tia a chamou para conhecer as iniciativas populares relativas à habitação. “Quando entrei no movimento, não sabia nem pegar o carrinho de areia.” Aprendeu muito sobre ferragens, alvenaria, serragem. Ajudou a erguer cerca de 500 sobrados. “A gente fez todos com o mesmo carinho, porque eu não sabia qual seria a minha casa. Se alguma saísse malfeita, poderia ser a minha.” A dela ficou pronta em 1997. “Vi que meu mundinho não era aquele lá de trás, de lavar, passar, cozinhar, tirar o pó e ficar na rodinha com as vizinhas.” José Roberto dos Santos, pernambucano de Pesqueira, é um dos que atribuem a Maria do Planalto o maior auxílio que teve na chegada a São Paulo, em 2009. Com a mulher, Jeane, e dois filhos pequenos, moraram por um tempo na casa de parentes. Depois, tiveram de procurar outra morada. Quando ele topou com os barracos de Alto Alegre, olhava a distância e especulava com a esposa. “Eu dizia: É de cigano. E ela dizia: ‘É não’”. Até que tomaram coragem, aproximaram-se e conseguiram um canto. Passaram pelo despejo e seguiram com a turma liderada por Maria rumo à Avenida Ipiranga. Pergunto o que ele fazia em Pesqueira, e ele responde: “Rapaz, não fazia era nada, porque serviço não tinha”. Até por isso, não ficou desgostoso com a capital paulista, em relação ao que esperava encontrar. “Aqui você junta papelão e ganha dinheiro. Só passa fome se for preguiçoso mesmo.” É baseado nessa premissa que ele parecia alheio à iminência do novo despejo, brincando com a miúda Ketllin Vitória, a terceira filha que nascera há menos de duas semanas.
Se Santos e Jeane estão com a prole por perto, menos sorte teve a paraibana Maria Judite Ferreira, a Zezé, que há 40 anos deixou a cidade de Santa Rita em busca do eldorado paulista. Então separada do marido, ela deixou as três filhas – Maria Auxiliadora, Maria Helena e Maria do Carmo – sob os cuidados de um cunhado, de quem perdeu contato. Zezé nunca mais soube das meninas – até porque jamais pôde voltar a Santa Rita, por conta das dificuldades financeiras. Seu temor é de que as filhas achem que ela, Zezé, as abandonou. “Mas vou vencer. Deus não vai permitir que eu morra sem revê-las.” Em São Paulo, ela não voltou a casar, e seu amor de mãe é integralmente repassado à causa dos sem-teto. Outro solitário é José Tadeu da Silva, o Pokémon, que chegou a São Paulo em 1993 com o intuito de fazer a vida. Pokémon traz na expressão um sorriso quase permanente, digno de suas origens baianas, mas surpreendente em vista dos leões que mata a cada dia. Começou a vasculhar no lixão, até que conseguiu empregos melhores, como servente de pedreiro. “Mas a idade vai chegando e aí começa a ficar mais complicado.”
Por ter bronquite, passou por algumas crises de asma ao dormir no carpete. Assim, transformou em “cama” a porta de um armário – apoiada por duas cadeiras nas extremidades – sobre a qual dorme com o equilíbrio de um faquir. Tímido, aos 50 anos, segue solteiro. Mas nem por isso acha que está fadado a terminar a vida sozinho. “Tenho algumas amigas, quem sabe um dia não acontece alguma coisa.” Entre os idosos, destaca-se a figura empertigada e elegante do viúvo Luiz Vicente. Depois da morte da esposa, ele foi vítima de um AVC, que comprometeu parte de suas funções motoras. A saúde debilitada o levou a morar com um dos filhos. Mas não deu certo. Então, procurou Maria do Planalto e voltou ao movimento. “Ele falou que preferia morar na rua a continuar com o filho”, revelou Maria, embora a dificuldade de convivência pareça ter sido com a nora. “O marido não vai deixar de amar a mulher, e o velho é coisa bastante usada, não é para ser amado”, afirma um melancólico Vicente. O paradoxo é que, há pouco tempo, dona Sebastiana, uma senhora que ainda se recuperava do braço que quebrou ao fugir da truculência policial na chegada ao prédio, procurou Maria do Planalto. Queria a autorização da coordenadora para aceitar o pedido de namoro de Vicente. “As outras velhinhas ficaram todas enciumadas”, brinca Maria. No dia 23, dona Sebastiana havia recebido o valor da aposentadoria. Queria levar o namorado para comer um bife. Em outra extremidade da vida, quase 350 crianças tentam se divertir.
As paredes do andar que servia de creche permaneceram decoradas com desenhos feitos pelas crianças. Numa delas, uma frase escrita com giz de cera expõe a visão infantil, sempre comovente: “Este prédio nunca será feio”. Num alto-falante, a voz de Zé Ramalho embalava a despedida: …É duro tanto ter que caminhar/ E dar muito mais que receber/ E ter que demonstrar sua coragem/ À margem do que possa parecer…
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Cerca de 257 famílias estão acampadas em frente à Câmara. Atendimento emergencial da prefeitura é ofertado para apenas 98 famílias
Após 13 dias de acampamento em frente à Câmara Municipal de São Paulo, um grupo de sem-teto ainda aguarda atendimento. Das 257 famílias acampadas, a prefeitura ofereceu atendimento a somente 98.
De acordo com o coordenador da Frente de Luta por Moradia (FLM), Osmar Borges, até que o atendimento a todas as 257 famílias seja garantido, o acampamento será mantido. “Nós decidimos que só sairemos daqui quando todas as famílias forem atendidas”, ressalta.
VIDEOS:
*Materia1: de "Profissão Reporter" na Ocupação Ipiranga
*Materia2: de "Profissão Reporter" na Ocupação Ipiranga
*Reintegração de posse da Ocupação Ipiranga
*Materia de "Profissão Reporter"na CMSP
Borges explica que das 1.200 famílias que ocupavam o prédio da Avenida Ipiranga – que teve reintegração de posse cumprida no último dia 25 – são estas 257 que necessitam de atendimento emergencial, pois não têm para onde ir.
“As famílias permanecem debaixo de lonas, com crianças e idosos, sob sol e chuva”, relata o sem-teto.
Ele afirma que a prefeitura ofereceu apenas o encaminhamento a albergues espalhados pela cidade àqueles que ficaram fora do cadastramento. No entanto, as famílias não aceitaram tal solução, que não contempla a reivindicação de moradia digna. “Não aceitamos ir para albergues, porque isto desintegraria as famílias”, explica o coordenador da FLM.
Acampamento
Inicialmente o acampamento foi formado pelas 540 famílias que haviam sido retiradas, no dia 18 de novembro, do prédio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na Avenida Nove de Julho. Com a reintegração de posse do prédio da Avenida Ipiranga, os sem-teto que o ocupavam se juntaram ao acampamento.
Com o passar dos dias e a falta de atendimento, parte das famílias se dispersou para outros locais, restando as 257 que agora dependem do atendimento emergencial.
A prefeitura, de acordo com o sem-teto, alega falta de verba para atender a todas as famílias. “Nós defendemos que dá para buscar a captação de recursos junto a outros órgãos para atender todas as famílias. Se a prefeitura diz que não tem recursos, as famílias têm muito menos”, protesta.
Apesar da reintegração de posse dos prédios das avenidas Nove de Julho e Ipiranga, permanecem as ocupações dos prédios das avenidas Prestes Maia e São João. Os quatro imóveis foram ocupados no dia 4 de outubro.
Negociações
Os sem-teto conseguiram nesta última semana reuniões com os órgãos responsáveis pelos prédios ocupados e com órgãos oficiais a fim de se chegar a uma solução para o impasse.
No dia 24, uma representação da FLM esteve em Brasília para uma reunião com o ministro da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, e a Secretária Nacional de Habitação, Inês Magalhães. A reunião tratou da situação dos sem-teto no estado e também da desapropriação do prédio do INSS, abandonado há mais de 20 anos.
O resultado foi a promessa de que, em 30 dias, as empresas interessadas em realizar o projeto de transformação do imóvel em moradia popular serão chamadas para início dos trabalhos. Será realizado um estudo de viabilidade de reforço da estrutura do prédio ou demolição. Conforme Borges, o laudo da estrutura terá que ser divulgado para que as obras no prédio comecem. Ainda é necessário que o INSS e a Caixa Econômica Federal (CEF) negociem com a Sabesp e a Eletropaulo o pagamento de dívidas que chegam a R$ 400 mil.
Além da reunião em Brasília, representantes da FLM estiveram com a Superintendente para Habitação Popular da Prefeitura de São Paulo, Elizabeth França, no último dia 25. O encontro resultou no inicio do cadastramento das famílias, porém sem a garantia de atendimento a todos.
Os sem-teto também têm mantido conversações com vereadores e com o Ministério Público de São Paulo. “Estamos fazendo uma movimentação junto ao Ministério Público e uma movimentação política junto aos vereadores para denunciar que esta situação é uma violação aos direitos humanos”, conta o coordenador da FLM.
“Tivemos uma reunião com o promotor João Paulo França Piva, que instaurou um inquérito para apurar a questão dos prédios vazios e ele se comprometeu a fazer um requerimento à Secretaria de Habitação para que resolva a situação das famílias”, relata Borges. O inquérito foi instaurado pelo promotor de Justiça no dia 11 de novembro.
1º/12/2010
Michelle Amaral da Redação Brasil de Fato
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“Este prédio nunca será feio”
As angústias e sonhos das 840 famílias que ocupavam um edifício no centro de São PauloÀs 8h51 da quinta-feira 25, a retirada de uma bandeira da Frente de Luta por Moradia (FLM) da fachada do número 905 da Avenida Ipiranga, no centro velho de São Paulo, simbolizou a volta às ruas de 1,1 mil sem-teto. Ao som de Vida de Gado, de Zé Ramalho, e sob os olhares do Batalhão de Choque da Polícia Militar, da Guarda Civil Metropolitana e do Corpo de Bombeiros, a reintegração de posse pedida pela construtora Camargo Corrêa ocorreu de forma pacífica, pondo fim à aventura de 840 famílias que, por quase dois meses, assumiram o local. Sem outro destino previsto, as famílias se juntaram a outro grupo de sem-teto acampado defronte à Câmara Municipal. Uma semana antes, esse grupo fora igualmente despejado de outro endereço da região. A execução da reintegração de posse do prédio vai muito além de simplesmente agravar o complexo problema de habitação da cidade de São Paulo. Representa, também, o desmantelamento de uma engrenagem de organização coletiva inimaginável a quem, de fora, tende a olhar as ocupações do tipo sob os clichês típicos dos bem-nascidos – notadamente, a ideia de tratar-se de ajuntamento de vagabundos, quando não de marginais. Não seria com esse perfil de ocupantes que o prédio em questão, frequentado por ratazanas e baratas nos últimos anos, conseguiria estabelecer uma dinâmica social – e funcional – que atenuou ao menos outros dois problemas que invariavelmente acompanham os sem-teto: a fome e a higiene pessoal.
Não é pouca coisa. O grupo chegara ao prédio na madrugada de 3 para 4 de outubro. Segundo a coordenadora do FLM, Maria Aparecida Ferreira, conhecida como Maria do Planalto – que circulou com a reportagem pelo prédio, dois dias antes da reintegração –, as pessoas entraram a partir de um buraco na parede. A polícia reprimiu no início, com bombas, sem sucesso. Mas, às 11 horas do dia 4, o Batalhão de Choque cercou o prédio: ninguém saía e ninguém entrava. O cerco só acabaria às 22 horas, quando, do ponto de vista jurídico, a situação deixava de ser invasão para ser ocupação. A partir daí, começava o desafio de tornar o local habitável. Foram nove dias para remover entulhos, que encheram 15 caminhões. “A gente amarrava o lixo em cobertor velho e o pessoal arrastava pela escada”, lembra Maria. Nos primeiros dias, procuraram uma igreja católica das cercanias para que pudessem abastecer garrafas com água, mas o padre vetou. “Só quem nos ajudou foi a lanchonete da esquina e outro bar da Avenida Rio Branco.” Após alguns dias, conseguiram ligar a eletricidade e a água encanada. Um chuveiro masculino e outro feminino foram montados para banho. A cada dia da semana um grupo de pessoas era designado a acordar às 4 da manhã para conseguir na Ceasa, ali nas cercanias, doações de verduras, legumes e frutas. As refeições, feitas de forma coletiva, seguiam horários estabelecidos.
Havia duas cozinheiras fixas e uma equipe de ajudantes se revezava a cada dia. A faxina das escadas seguia um esquema de revezamento. Em cada um dos 14 andares do prédio de 80 apartamentos, a escala de tarefas aparecia em cartazes pregados na parede, sob responsabilidade de um coordenador. “As senhorinhas que não podem fazer trabalho pesado cortam cebola, tomate. Ninguém pode ficar se sentindo coitadinho”, determinava Maria. Quem não podia se dedicar às tarefas do coletivo, por conta de outros empregos, contribuía com um pacote de arroz, um litro de leite. “Por isso a comida não acaba”, conta a líder, embora com a ressalva: “Mas carne faz tempo que não tem”. A FLM impunha regras exigentes quanto ao comportamento dos integrantes. Se alguém chegasse embriagado ao prédio, era obrigado a sair e procurar um albergue para dormir. “A pessoa quando bebe se sente forte e dá trabalho”, justifica Maria. A punição era ainda mais severa com alguém pego portando ou usando drogas: expulsão do movimento. Ela cita o caso de um dos integrantes, Francisco, pai de três filhos, alcoólatra e drogado. “Deixei bem claro: ou conserta ou não pode ficar.” A segunda chance, no caso, só foi permitida porque ela é contra o autoritarismo. “Se você põe para fora direto, você cometeu a mesma coisa que o governo está fazendo com a gente”, teorizou. “Mas já faz 12 dias que ele não bebe e nunca mais saiu.” Maria do Planalto é mais que uma liderança para esse grupo de sem-teto. Muitos a chamam de Mãe. Originalmente, as 840 famílias que acabam de deixar o prédio na Ipiranga para voltar às ruas saíram de uma favela da zona leste, o Alto Alegre, desmanchada há um ano por ter sido erguida em terreno grilado. Desde lá, Maria vem na frente da batalha.
Aprendeu a “gostar do movimento”, desde que levantou a própria casa, num esquema de mutirão, na Fazenda da Juta, também na zona leste – até 1987, ela morava de favor no quintal da casa da mãe, com o marido e as três filhas. Uma tia a chamou para conhecer as iniciativas populares relativas à habitação. “Quando entrei no movimento, não sabia nem pegar o carrinho de areia.” Aprendeu muito sobre ferragens, alvenaria, serragem. Ajudou a erguer cerca de 500 sobrados. “A gente fez todos com o mesmo carinho, porque eu não sabia qual seria a minha casa. Se alguma saísse malfeita, poderia ser a minha.” A dela ficou pronta em 1997. “Vi que meu mundinho não era aquele lá de trás, de lavar, passar, cozinhar, tirar o pó e ficar na rodinha com as vizinhas.” José Roberto dos Santos, pernambucano de Pesqueira, é um dos que atribuem a Maria do Planalto o maior auxílio que teve na chegada a São Paulo, em 2009. Com a mulher, Jeane, e dois filhos pequenos, moraram por um tempo na casa de parentes. Depois, tiveram de procurar outra morada. Quando ele topou com os barracos de Alto Alegre, olhava a distância e especulava com a esposa. “Eu dizia: É de cigano. E ela dizia: ‘É não’”. Até que tomaram coragem, aproximaram-se e conseguiram um canto. Passaram pelo despejo e seguiram com a turma liderada por Maria rumo à Avenida Ipiranga. Pergunto o que ele fazia em Pesqueira, e ele responde: “Rapaz, não fazia era nada, porque serviço não tinha”. Até por isso, não ficou desgostoso com a capital paulista, em relação ao que esperava encontrar. “Aqui você junta papelão e ganha dinheiro. Só passa fome se for preguiçoso mesmo.” É baseado nessa premissa que ele parecia alheio à iminência do novo despejo, brincando com a miúda Ketllin Vitória, a terceira filha que nascera há menos de duas semanas.
Se Santos e Jeane estão com a prole por perto, menos sorte teve a paraibana Maria Judite Ferreira, a Zezé, que há 40 anos deixou a cidade de Santa Rita em busca do eldorado paulista. Então separada do marido, ela deixou as três filhas – Maria Auxiliadora, Maria Helena e Maria do Carmo – sob os cuidados de um cunhado, de quem perdeu contato. Zezé nunca mais soube das meninas – até porque jamais pôde voltar a Santa Rita, por conta das dificuldades financeiras. Seu temor é de que as filhas achem que ela, Zezé, as abandonou. “Mas vou vencer. Deus não vai permitir que eu morra sem revê-las.” Em São Paulo, ela não voltou a casar, e seu amor de mãe é integralmente repassado à causa dos sem-teto. Outro solitário é José Tadeu da Silva, o Pokémon, que chegou a São Paulo em 1993 com o intuito de fazer a vida. Pokémon traz na expressão um sorriso quase permanente, digno de suas origens baianas, mas surpreendente em vista dos leões que mata a cada dia. Começou a vasculhar no lixão, até que conseguiu empregos melhores, como servente de pedreiro. “Mas a idade vai chegando e aí começa a ficar mais complicado.”
Por ter bronquite, passou por algumas crises de asma ao dormir no carpete. Assim, transformou em “cama” a porta de um armário – apoiada por duas cadeiras nas extremidades – sobre a qual dorme com o equilíbrio de um faquir. Tímido, aos 50 anos, segue solteiro. Mas nem por isso acha que está fadado a terminar a vida sozinho. “Tenho algumas amigas, quem sabe um dia não acontece alguma coisa.” Entre os idosos, destaca-se a figura empertigada e elegante do viúvo Luiz Vicente. Depois da morte da esposa, ele foi vítima de um AVC, que comprometeu parte de suas funções motoras. A saúde debilitada o levou a morar com um dos filhos. Mas não deu certo. Então, procurou Maria do Planalto e voltou ao movimento. “Ele falou que preferia morar na rua a continuar com o filho”, revelou Maria, embora a dificuldade de convivência pareça ter sido com a nora. “O marido não vai deixar de amar a mulher, e o velho é coisa bastante usada, não é para ser amado”, afirma um melancólico Vicente. O paradoxo é que, há pouco tempo, dona Sebastiana, uma senhora que ainda se recuperava do braço que quebrou ao fugir da truculência policial na chegada ao prédio, procurou Maria do Planalto. Queria a autorização da coordenadora para aceitar o pedido de namoro de Vicente. “As outras velhinhas ficaram todas enciumadas”, brinca Maria. No dia 23, dona Sebastiana havia recebido o valor da aposentadoria. Queria levar o namorado para comer um bife. Em outra extremidade da vida, quase 350 crianças tentam se divertir.
As paredes do andar que servia de creche permaneceram decoradas com desenhos feitos pelas crianças. Numa delas, uma frase escrita com giz de cera expõe a visão infantil, sempre comovente: “Este prédio nunca será feio”. Num alto-falante, a voz de Zé Ramalho embalava a despedida: …É duro tanto ter que caminhar/ E dar muito mais que receber/ E ter que demonstrar sua coragem/ À margem do que possa parecer…
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