30/01/2011

A dura realidade do universitário pobre

Tese aponta as dificuldades que marcam a trajetória dos estudantes de instituições de ensino superior privadas. Uma pesquisa realizada no Instituto de Psicologia da USP mostra que estudantes pobres que conseguem ingressar em uma universidade privada apresentam dificuldades para se manter no curso, mesmo quando recebem bolsas de estudo. Isso ocorre tanto por questões financeiras como pelo baixo conteúdo educacional adquirido desde o ensino básico, fato que prejudica o acompanhamento do curso.
Segundo a autora do trabalho, a psicóloga Jaqueline Kalmus, esses estudantes se sentem vítimas de um engodo: apesar de terem passado por todos os estágios da educação – ensino fundamental e médio, além de um exame vestibular –, o conhecimento adquirido por meio dessa educação formal não foi suficiente para integrá-los plenamente na universidade. Ao mesmo tempo, o conhecimento de vida que essas pessoas têm muitas vezes é desvalorizado no ambiente universitário.
Os dados estão na tese de doutorado “Ilusão, resignação e resistência: marcas da inclusão marginal de estudantes das classes subalternas na rede de ensino superior privada”, apresentada em maio passado no Instituto de Psicologia, sob a orientação da professora Maria Luisa Sandoval Schmidt. “Além do diploma que pode garantir um futuro melhor, essas pessoas também procuram na universidade uma condição de respeito que lhes é negada diariamente pela sociedade”, aponta Jaqueline. Segundo ela, parte desses estudantes apresentava muita dificuldade para acompanhar o curso e as leituras propostas. “Eles se sentiam incluídos apenas parcialmente no mundo universitário”, completa.
O estudo foi feito a partir de uma análise das legislações disponíveis sobre educação, além de entrevistas com três estudantes oriundos de classes subalternas que estudavam, na época da realização da pesquisa, em universidades privadas da região metropolitana de São Paulo.
Os três alunos (duas mulheres e um homem) tinham entre 29 e 40 anos. Estudavam em cursos de licenciatura e recebiam bolsas de estudo, apesar de trabalharem durante o dia, pois precisavam se manter financeiramente. “As bolsas eram integrais ou parciais, fornecidas pela própria instituição de ensino ou pelo governo do Estado”, explica a psicóloga.
Ela conta que esses alunos sentiam um temor ligado à perda da bolsa e à consequente interrupção nos estudos. “A bolsa é tida como um ‘privilégio’ que pode ser retirado a qualquer instante se o estudante não se adequar às regras e tiver notas baixas, interromper os estudos e, no caso da bolsa parcial, atrasar o pagamento”, explica.

Respeito da sociedade – Para os entrevistados, cursar uma universidade representava muito mais do que conseguir um diploma para o ingresso e permanência no mercado de trabalho: era uma maneira de serem respeitados pela sociedade, saindo da condição de subalternidade determinada pelo estrato social. “Ter acesso ao conhecimento universitário poderia contribuir para o enfrentamento de situações envolvendo humilhação social, experiência muitas vezes vivenciada tanto por eles como por seus antepassados e companheiros de classe social”, explica. “Eles acreditavam que integrar um curso superior garantiria que fossem vistos e ouvidos, legitimando sua voz na sociedade.”
A pesquisadora aponta que, para eles, estar na universidade e adquirir conhecimentos representava também uma maneira de compreender o enigma da desigualdade social. “Um deles, que cursava História, contou que se identificava com os camponeses da Idade Média por causa da condição social semelhante de ambos”, diz.
As entrevistas foram realizadas ao longo da vida acadêmica dos alunos. “Um deles formou-se em Biologia, mas não conseguiu emprego como biólogo. Passou a atuar então como professor temporário, o que representou uma melhoria de vida em relação à sua situação antes do curso universitário, mas não a realização de trabalhar em sua área de formação”, conta. “O outro, tentando suplantar as dificuldades com o curso, transferiu-se para outra universidade considerada ‘mais fácil’. O terceiro aluno abandonou os estudos por não poder arcar com seus custos. No entanto, pouco tempo depois, voltou à vida universitária, em outro curso e estabelecimento de ensino”, informa Jaqueline.
Sobre este último, a psicóloga comenta que a desistência aconteceu apesar de ele ter bolsa de 50% no valor da mensalidade. “Ele trabalhava como carroceiro, recolhia livros e os vendia, ou para reciclagem ou para sebos. Entretanto, separava obras das áreas de psicologia e história para leitura. Mesmo não se julgando um autodidata, ele acreditava que o conhecimento obtido com os livros só servia para ampliar seus conhecimentos morais, mas não para transformar sua realidade social”, comenta. “É essa mudança, para si e para os outros, que ele pretende alcançar com os estudos.”

Educação mercantilizada – Segundo a pesquisadora, houve, nos últimos anos, um aumento da necessidade de qualificação profissional, produzida pelo modelo político e econômico vigente no País. Consequentemente fala-se muito em ampliação da educação, em que é necessário cada vez mais formar pessoas com nível universitário, com um menor custo e em menos tempo, utilizando-se inclusive do ensino a distância.
“Nesse sentido, os documentos oficiais propõem a separação entre as universidades voltadas para a pesquisa, geralmente com excelência acadêmica, e as universidades de ensino, voltadas para o mercado. Esse crescimento atual do ensino superior no Brasil é grande, mas é relativo. Só recentemente foram criados programas para inclusão de alunos pobres, como o Pro-Uni. Mas é preciso pensar nesse caráter mercantilista da educação e em suas consequências”, acredita Jaqueline.

Publicado por admin - Sunday, 28 November 2010

EDUCAÇÃO

VALÉRIA DIAS________________
Agência USP de Notícias
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