Na quadra da escola, os guias da Camisa Verde e Branco conduziram as mãos dos deficientes até as fantasias expostas. Daí em diante a curiosidade dos visitantes assumiu as ações. Pouco a pouco, os dedos alcançaram delicadamente as plumas e os tecidos. Passaram pelo busto, pelas ombreiras, até chegar ao chapéu. "As penas são de verdade?", perguntou Giovanna Maira, cantora profissional. "Isso brilha?", questionou. Abriram os braços para conferir o tamanho das fantasias e vestiram os chapéus para ter noção do peso. Perguntaram sobre cores que, em muitos casos, nunca viram.
Os deficientes visuais acabam por desenvolver outros sentidos. "Sinto a ''irradiação'' das pessoas à minha volta. Se alguém chega com uma fantasia bonita do meu lado, consigo senti-la. É algo inexplicável", descreveu Ubirajara Alves Domingos, de 48 anos, que não enxerga há seis anos por causa de um glaucoma congênito (aumento da pressão intraocular).
Bira, como é chamado, integra a percussão da Camisa desde seus 16 anos. Desfilava na linha de frente da bateria. Já tocou surdo, repique e caixa. A cegueira não o impediu de participar do carnaval. "Hoje minha audição é mais aguçada. Se algum instrumento sai do compasso, eu percebo logo de cara, melhor que os diretores de bateria", disse o paulistano que cresceu no bairro do Limão, zona norte da cidade. Bira, a mulher e seus companheiros da escola de samba desenvolveram para a hora do desfile uma série de toques que indicam a direção que ele tem de caminhar, o momento de parar e o lado para virar o corpo.
Festa
Bira ajudou a apresentar os instrumentos aos outros deficientes. Colocou as baquetas nas mãos dos visitantes e governou os braços deles no ritmo do samba. "Deixa o pulso bem mole", pediu à aposentada Arlene Viana da Paixão, de 71 anos, que já perdeu praticamente toda a visão também por causa de glaucoma.
Momentos depois, quando a bateria da escola resolveu dar seu show, quem roubou a cena foi a cantora Giovanna. Com o microfone, soltou sua voz em "O Que É, O Que É?", de Gonzaguinha. Os sambistas da escola, os funcionários da SPTuris e todos os presentes na quadra pararam para vê-la, enquanto os deficientes e seus acompanhantes puxavam a fila de um trenzinho pela quadra. Já tinham criado o próprio carnaval.
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