18/08/2011

Conselho Gestor das Zeis, reivindica higiene social para Nova Luz

Sob críticas, Prefeitura de São Paulo apresenta projeto da Nova Luz: Plano que prevê a reurbanização do centro da capital paulista recebe reclamações de moradores e comerciantes, que acusam falta de garantias


Dependentes químicos
Uma das reivindicações do Conselho Gestor das Zeis se refere à formulação de políticas públicas para o tratamento de dependentes químicos que vivem na área. O projeto, no entanto, não faz referência à questão.
Recentemente, o prefeito Gilberto Kassab anunciou a criação de um programa intersecretarial para auxiliar na retirada de usuários de crack das ruas da capital paulista, especialmente na região central.

O prefeito reiterou que a intervenção urbanística e a questão dos dependentes químicos são assuntos “distintos” e negou que os esforços da Prefeitura visem a “limpar” a área para a implementação do projeto.

“São coisas independentes. O projeto da Nova Luz existe por conta da necessidade de reurbanização e requalificação de uma área. O apoio e o atendimento às pessoas independe de qualquer projeto. É uma questão de cidadania”, disse.



Depois de sucessivos atrasos e de muitas críticas, a Prefeitura de São Paulo apresentou, na manhã desta quinta-feira (11), a versão consolidada do projeto da Nova Luz, que propõe a requalificação do centro da capital paulista.
A apresentação ocorreu na sede da Prefeitura e contou com a presença do prefeito, Gilberto Kassab (sem partido), do ex-governador Alberto Goldman, da secretária municipal de Assistência Social, Alda Marco Antonio, e do secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Miguel Bucalem, além de vereadores, moradores e comerciantes da região.
O projeto foi apresentado apesar da insatisfação de moradores e comerciantes da Santa Ifigênia, que reclamam de falta de garantias, de participação na elaboração das mudanças e de políticas para os problemas sociais, sobretudo para os dependentes químicos da chamada área da “Cracolândia”.

O plano prevê a reurbanização de 45 quarteirões e duas praças no centro da cidade entre as avenidas Ipiranga, São João, Duque de Caxias, rua Mauá e avenida Cásper Líbero – o que corresponde a cerca de 500 mil metros quadrados. Das 45 quadras, 11 serão destinadas às Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), que priorizam habitações para famílias de baixa renda.

De acordo com o cronograma, as obras deverão ser executadas em 15 anos, em cinco fases. O objetivo do faseamento, segundo Bucalem, é minimizar que as intervenções prejudiquem a dinâmica da região. “O que dá estabilidade a um projeto é o longo prazo. Fazer um projeto rápido é perturbar a área e tirar as âncoras que a área tem, como a grande atividade comercial que tem lá”, disse Bucalem.
Depois da apresentação do projeto, Kassab afirmou que o sentimento era de “dever cumprido na importante etapa de recuperação do centro”. “Esse é um projeto construído com uma equipe excelente. São Paulo dará um exemplo da requalificação de uma área”, prometeu. A fala de Kassab foi pontuada por manifestações de protesto contra o próprio prefeito e contra o projeto.
O próximo passo, de acordo com Kassab, será o licenciamento, seguido pela fase de licitação para escolher o concessionário que executará as obras. A expectativa do prefeito é de que as obras iniciem já no próximo ano.
Surpresa
O evento para apresentação do projeto surpreendeu a presidente da Associação de Moradores e Amigos da Santa Ifigênia e da Luz (Amoaluz), Paula Ribas, que também é membro do Conselho Gestor das Zeis.
Segundo ela, a Prefeitura havia convidado os moradores apenas para uma reunião, e não para a apresentação final do projeto. “Por que não avisaram pra gente que isso iria acontecer? Foi uma ‘tratorada’ sobre o bairro de novo”, critica.
Diferente do que afirmou o secretário Miguel Bucalem, Paula garante que o projeto apresentado nesta quinta não levou em consideração as propostas feitas pelo Conselho Gestor das Zeis, que se referem sobretudo às questões sociais. “Na apresentação não constou nada do que viemos construindo nesses quatro meses. Isso é anular o trabalho da participação popular”, afirma.
Nos próximos dias, segundo Paula, os integrantes do Conselho Gestor se reunirão para elaborar uma resolução. Eles querem que o projeto seja revisto, já que entre as prerrogativas do conselho está a aprovação do projeto final – o que não ocorreu com a Nova Luz.

Dependentes químicos
Uma das reivindicações do Conselho Gestor das Zeis se refere à formulação de políticas públicas para o tratamento de dependentes químicos que vivem na área. O projeto, no entanto, não faz referência à questão.
Recentemente, o prefeito Gilberto Kassab anunciou a criação de um programa intersecretarial para auxiliar na retirada de usuários de crack das ruas da capital paulista, especialmente na região central.
O prefeito reiterou que a intervenção urbanística e a questão dos dependentes químicos são assuntos “distintos” e negou que os esforços da Prefeitura visem a “limpar” a área para a implementação do projeto.
“São coisas independentes. O projeto da Nova Luz existe por conta da necessidade de reurbanização e requalificação de uma área. O apoio e o atendimento às pessoas independe de qualquer projeto. É uma questão de cidadania”, disse.

Parceria
A principal mudança do projeto foi a possibilidade de que proprietários participem das intervenções. Eles poderão se associar entre si, ou se associar ao concessionário, para fazer as reformas nos imóveis. Se não houver interesse dos proprietários em realizar as obras, segundo Miguel Bucalem, os imóveis serão desapropriados e a reforma será feita pelo concessionário.
Paula Ribas, no entanto, considera a medida limitada. Ela lembra que a região conta com moradores de perfis econômicos muito diferentes e que a medida não beneficiará as famílias de baixa renda, que não terão recursos para entrar na parceria proposta pela Prefeitura.
“São diferentes perfis de moradia. Como é que a gente vai entrar como sócio da Prefeitura para fazer qualquer tipo de transformação?”, questiona.

Lei de concessão
A maior crítica de moradores e comerciantes se dá em relação à Lei de Concessão Urbanística (14917/09), que concede a empresas o poder de desapropriar imóveis residenciais e comerciais, para reformar, demolir, construir e obter lucro com a revenda. Para eles, o mecanismo é uma forma de atender a interesses privados e aumentar a especulação imobiliária.
No dia 26 de agosto, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) julgará uma ação contra a lei municipal que cria a concessão urbanística. O agravo regimental foi impetrado em maio de 2011 e é movido pelo Sindicato do Comércio Varejista de Material Elétrico e Aparelhos Eletrodomésticos no Estado de São Paulo (SincoElétrico) em nome de lojistas da região da Santa Ifigênia.
Bucalem, no entanto, refuta irregularidades na lei. “A concessão urbanística está no Plano Diretor Estratégico desde 2002. Há uma grande convicção do corpo jurídico da Prefeitura de sua constitucionalidade”, afirmou.
Os proprietários também querem a revisão do texto da lei, que prevê que somente a concessionária pode ser a responsável pela execução das obras de reurbanização. A Prefeitura até agora, no entanto, não deu mostras de que poderia mudar a lei.
Moradores e lojistas temem não poder permanecer na área depois das reformas. De acordo com Bucalem, os proprietários afetados ganharão uma nova unidade, enquanto os locatários receberão um aluguel-social para ficar com um imóvel na mesma região.
Segundo ele, a Secretaria Municipal de Habitação fará ainda um novo cadastramento dos moradores. “Queremos garantir que todos que moram lá tenham acesso à possibilidade de permanecer, e a Secretaria de Habitação vai desenhar um programa específico para isso”, disse, sem fornecer mais detalhes de como será o reassentamento das famílias.
A falta de garantias e de clareza, porém, preocupa quem está na região. Anteriormente, o consórcio responsável pelo projeto já havia feito um levantamento dos moradores da área, cujos resultados, segundo Paula, nunca foram revelados. “Até hoje nunca tivemos o resultado do cadastramento feito pelo consórcio, ninguém nunca teve acesso a essas informações”, segundo ela.

11/8/2011 21:56,  Por Brasil de Fato

Patrícia Benvenuti
Da reportagem

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