Droga leva só 12% das crianças à cracolândia
Negligência e abandono familiar ainda são os principais motivos da ida para as ruas de SP
Apenas 12,4% das crianças e adolescentes que deixaram suas casas para viver nas ruas do centro da cidade tomaram a decisão motivados por uso de drogas. A negligência e o abandono da família são os principais motivos da ida para a rua (37,3%), seguidos pelas violências familiar (18,3%) e sexual (15,7%).
Duas
fases. Criança se droga na região central, de onde Davi foi levado pela
mãe contra a vontade para internação; uso muitas vezes começa depois
que o jovem entra na rotina de rua
Não souberam explicar as razões para a ida para as ruas 56 entrevistados. "Esses dados mostram que concentrar a discussão na questão da internação e do crack é um enfoque simplista", afirma o psiquiatra Auro Lesher, coordenador do Quixote. "Não se deve "medicalizar" uma questão social. Depois de sair da clínica, se a criança encontrar a mesma realidade em casa, do que vai adiantar?"
Apesar de irem para as ruas por causa de problemas familiares, muitas crianças e adolescentes passam a usar tipos variados de drogas depois que ingressam na nova rotina. É o que constatam os educadores do Quixote e a Pesquisa Nacional sobre Crianças e Adolescentes em Situação de Rua, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que em março mostrou que 38,6% dos entrevistados não dormiam em abrigos por causa da proibição do uso de álcool e drogas.
Luta. Na tarde de ontem, na sede do Projeto Quixote, na Vila Mariana, zona sul da capital, o Estado encontrou Davi, de 12 anos, e Tamara, de 17, que até hoje lutam para seguir uma vida mais estável após morar na rua. Davi acaba de voltar de um mês de internação contra a sua vontade, a pedido da mãe. Disse que não queria falar sobre o assunto. Ele foi o filho temporão de uma família com três irmãos. Desde os 6 anos, Davi foge de casa. Aos 11, já morava na rua, onde passou a usar drogas.
No caso de Tamara, ela foi levada à rua pela mãe, que era dependente de crack. Morava na cracolândia com dois irmãos mais novos e viu a mãe engravidar de gêmeos. Aos 12 anos, já usava crack, como a mãe. Depois que deu à luz, o Projeto Quixote conseguiu que a mãe de Tamara se comprometesse a deixar a rua. Ela ficou por um ano em uma clínica terapêutica. Os filhos foram para abrigos e passaram a morar todos juntos quando a mãe saiu da internação.
A situação piorou quando a mãe voltou inesperadamente a engravidar. Ela retornou para as ruas aos poucos. Tamara, contudo, aos 17 anos, mora em um abrigo e segue firme na tentativa de ter um futuro sem tantos problemas. Seus quatro irmãos foram adotados. Algumas vezes, ela conseguiu resgatar a mãe e trazê-la de volta aos tratamentos.
"O importante nesses casos é que o crack não é o principal empecilho para trabalhar com as crianças. Estabelecer relação de confiança com essas pessoas e reestruturar a vida fora da rua é fundamental para que o tratamento funcione", diz o psicólogo Bruno Rocha.
04 de agosto de 2011 | 0h 00
Bruno Paes Manso - O Estado de S.Paulo
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