14/10/2011

Internação de usuários: último recurso ou medida banal?


Há cerca de duas décadas, o Brasil procura livrar-se do manicômio. Por meio do medo, interesses conservadores querem reverter estes avanços

Diretor do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o psiquiatra Dartiu Xavier afirmou, em entrevista recente ao médico Drauzio Varella, que existe uma parcela de indivíduos que precisa de internação compulsória. Ela representa, porém, de 10 a 20% dos usuários de crack. Para os outros 80%, o tratamento ambulatorial em liberdade, com equipes multidisciplinares, seria a melhor opção. Citando a experiência clínica e os estudos internacionais sobre tratamento de álcool e drogas, Xavier conclui que “as intervenções baseadas em internação compulsória têm uma taxa de fracasso muito alta: em 98% dos casos em que a pessoa é internada contra a sua vontade, acaba voltando ao vício”.
Também o Conselho Federal de Psicologia (CFP), o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e o Núcleo da Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo condenam a internação compulsória. Este último órgão defende colocar em prática os “princípios que reconhecem a condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos” – entre outros, os previstos no ECA.
Não se trata de um discurso utópico. A Lei de Reforma Psiquiátrica, vigente desde 2001, criou os serviços de atenção psicossocial (Centros de Assistência e Promoção Social — CAPS) em substituição à instituição total do manicômio. Com isso, procura-se garantir a liberdade das pessoas que precisam de cuidados por viverem sofrimento mental e problemas no uso de álcool e outras drogas. Assegura-se o direito do usuário a ser esclarecido sobre a sua saúde, intervir em seu tratamento e ser considerado em suas necessidades e subjetividades.
A história dos manicômios, e de instituições totais como esta, dá conta de práticas de tortura, maus tratos, e toda sorte de violações aos direitos da pessoa. A privação da liberdade, por si só, é uma prática autoritária — e violenta o indivíduo supostamente em tratamento. Hoje, as comunidades terapêuticas são a reedição do modelo manicomial: sem a equipe multidisciplinar da reforma psiquiátrica, aposta na abstinência, na medicalização e na contenção.
Porém, o novo paradigma tem sido adotado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) há cerca de duas décadas. A nova abordagem requer mais recursos financeiros para a Saúde, porque é sofisticada e não visa lucro. Os profissionais da Assistência Social investem no trabalho em rede, que envolve equipamentos diversos, como o Centro Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD), os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializado da Assistência Social para população em situação de rua (CREAS-POP). Recorre-se a projetos de redução de danos, com resultados surpreendentes, e aciona-se a escola e o Programa Estratégia Saúde da Família, entre outros, no próprio território em que circula o indivíduo.
Os resultados aparecem. O Conselho Federal de Psicologia tem lembrado as políticas adotadas pelos municípios de São Bernardo do Campo e Recife como exemplos bem-sucedidos no tratamento de abuso de drogas. “Investimentos exclusivamente voltados para a rede pública propiciaram a invenção de uma rede diversificada de serviços que asseguram cidadania. A sustentação radical desta política permite a ambos municípios prescindir da inclusão de comunidades terapêuticas e de hospitais psiquiátricos como locus de tratamento”.

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