11/10/2011

São Paulo: Igrejas e ONGs definem eleição em Conselho Tutelar

Disputa acontece no próximo domingo em São Paulo; 1.012 candidatos tentam uma das 220 vagas disponíveis

Conselheiros são responsáveis por cuidar dos direitos das crianças; só 2% dos eleitores vão às urnas


Uma eleição praticamente invisível, onde há quase cinco concorrentes por vaga e a influência de igrejas, partidos políticos e ONGs. Esse pleito está previsto para ocorrer no próximo domingo em toda a cidade de São Paulo.

Na ocasião, serão eleitos os 220 conselheiros tutelares. Cada um dos 44 conselhos tem cinco membros. Para efeito de comparação, na última eleição para escolha dos 55 vereadores paulistanos, em 2008, a relação de candidato por vaga foi de 19,6. Foram 1.077 concorrentes.

A expectativa dos organizadores é que apenas 2% dos 8,4 milhões de eleitores participem do pleito. Isso representa cerca de 200 mil votantes, 50 mil a mais do que na última eleição de conselheiros, ocorrida há três anos.

Pesquisadores e promotores de Justiça que atuam na área da proteção da criança e do adolescente consultados pela Folha atribuem a baixa participação da população na disputa a três fatores: o voto é facultativo, há pouca divulgação e os cidadãos não sabem quais são as atribuições dos conselheiros tutelares.

Criado em 1990 pelo ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), o Conselho Tutelar tem como função defender os direitos de quem tem menos de 18 anos de idade.

São eles que atendem as crianças e os adolescentes que tiveram seus direitos ameaçados ou violados. O conselho também é responsável por quem comete algum ato infracional. O eleito pode disputar apenas uma reeleição. O salário é de R$ 1.416

Dos 1.012 concorrentes a uma vaga, ao menos 22 tem relação com igrejas, partidos e ONGs. São diretores de associações, militantes partidários, pastores, pais de santo e padres. Os concorrentes admitem a relação.

"Com o apoio da associação posso conseguir ajudar as crianças", disse o músico, pintor e candidato a conselheiro no Campo Limpo (zona sul), Josenildo Barros.

Ele é vice-presidente de uma associação de moradores. Se eleito, ele quer ter influência política. "Tenho ideias muito loucas para implantar na prefeitura."

A coordenadora do Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância, Lígia Caravieri, diz ser notória a participação de instituições. "É normal a pessoa ter ambição política. Mas não pode usar o conselho para isso."

A promotora que investiga fraudes no pleito, Luciana Bergamo, diz que a lei não impede apoios. "O que não pode é usar essas estruturas para cometer irregularidades."

Candidatos nem sempre estão preparados

"E quando o seu ECA vem falar com a gente?"

A pergunta foi feita por um conselheiro tutelar, recém-eleito para a função que participava de um treinamento ministrado por uma ONG em Santo André, na região do ABC.

O questionamento ocorreu depois de ouvir várias vezes da instrutora do curso que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) dizia isso, tratava daquilo.

"Ele achou que o ECA era mesmo uma pessoa, e não a legislação que trata da proteção das crianças e adolescentes", afirmou a coordenadora do Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância, Lígia Caravieri.

A dúvida do conselheiro demonstra que parte dos que assumem o cargo não tem conhecimento pleno de suas funções, dizem pesquisadores ouvidos pela Folha. Por isso, algumas cidades brasileiras como Niterói, no Rio, e São Bernardo do Campo (ABC), instituíram provas como uma das etapas da seleção para novos conselheiros. Só pode concorrer quem tiver conhecimentos básicos do ECA.

Outras cidades, como Santo André, capacitam os conselheiros logo após a eleição. Em São Paulo, para concorrer ao cargo o candidato não precisa conhecer o ECA.

Basta ter mais de 21 anos de idade, não ter nenhuma condenação judicial contra si, morar no município e ser referendado por uma entidade registrada no CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), entidade responsável por organizar as eleições.

"Sou a favor da prova para selecionar os candidatos. Estamos trabalhando para mudar esse ponto da legislação ", diz o presidente do CMDCA, João Santo Carcan.

AFONSO BENITES
FOLHA DE S. PAULO

ANÁLISE

Conselho é prática em construção, com mais acertos que erros

PAULO AFONSO GARRIDO DE PAULA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é uma decorrência da Constituição de 1988 e a previsão nele de que cada município deve ter, no mínimo, um Conselho Tutelar tem sua raiz na democracia participativa, promessa constitucional de que o povo deve também participar da gestão de assuntos públicos do cotidiano.

O conselho materializa parte deste objetivo através da sua instituição como órgão local encarregado de zelar pelos direitos da criança e do adolescente. Composto por cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, nasceu com uma natureza comunitária que o torna próximo da população atendida, principal razão da sua força e motivo básico de sua existência.

A ideia fundamental foi da imediatidade, resposta célere derivada da proximidade física e da vivência análoga, capaz de produzir empatia pela situação alheia e disposição em buscar a melhor solução.

Como em toda prática democrática, os membros eleitos, além de eventualmente representarem segmentos legítimos da população, não raras vezes são motivados por interesses diversos daqueles que determinaram a sua criação.

Antecâmara da vereança, obtenção de prestígio pessoal, visualização de ganhos ilícitos, desfrute de eventuais benesses de poder, defesa de interesses partidários, de igrejas ou mesmos seitas frequentemente aparecem nas críticas à sua composição. Todavia, são mazelas tópicas a merecer repressão individualizada.

É ele o órgão que mais contribui para as denúncias de exploração sexual de crianças e adolescentes, que mais faz encaminhamentos de famílias para programas sociais e que mais escuta as falas das crianças das classes populares. Representa a alma do ECA na exata medida de que os excluídos da cidadania precisam de uma primeira atenção e de uma primeira voz.

É uma prática em construção, de muitos mais acertos do que erros, a merecer mais investimentos, capacitação e, acima de tudo, respeito.

PAULO AFONSO GARRIDO DE PAULA , 55 , é procurador de Justiça em SP e coautor do anteprojeto que originou o ECA

AFONSO BENITES
FOLHA DE S. PAULO
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1 comments:

  1. Muito preocupante essa constatação...
    Como é possível que somente 2% dos eleitores de são Paulo se preocupem com a defesa e a proteção de nossas crianças e adolescentes?

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Muito obrigado pelo seu comentario

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