27/11/2011

O que seria “Rede” e “Intersetorialidade” nas Politicas Sociais?

Refletir e propor trabalho social em rede constitui-se, hoje, um grande desafio para os profissionais vinculados às políticas públicas, gestores municipais, conselheiros pertencentes aos diferentes Conselhos de Direitos que respondem pela garantia dos direitos fundamentais do cidadão, principalmente num contexto em que a exclusão social é marcante.

PEREIRA(1998) alerta que a exclusão social é fenômeno multidimensional, portanto complexo, que afeta as condições objetivas de vida e de sobrevivência dos cidadãos e de suas famílias. Vulneráveis em função do processo sócio – econômico e político de globalização da economia, sofrem discriminação, humilhação, segregação, não encontram oportunidades de trabalho, de se prepararem para o mercado de trabalho ou de se manterem nele, dependendo cada vez mais de ações eventuais e compensatórias. Agrava este quadro a fragilização das políticas públicas, o que impede a estes cidadãos encontrarem meios, recursos e possibilidades de garantir seus direitos.

Diante deste quadro, reafirmando a garantia dos direitos, é oportuno refletir sobre como a moderna gestão social pode definir estratégias que viabilizem, na realidade local, um processo de inclusão social. Dentre estas estratégias as redes sociais surgem como alternativa necessária de enfrentamento das manifestações da exclusão social

Enfrentar este desafio exige, num primeiro momento, definir o que se entende por rede na área social, especialmente no contexto da gestão municipal dos serviços de atenção às necessidades da família, criança e adolescente, que deve atender ao princípio de proteção integral previsto pelo ECA.

GUARÁ et al (1998, p. 7), alerta que a gestão municipal busca responder a dois grandes desafios: “O primeiro desafio diz respeito a como implementar um projeto articulado e integrado (…) que resulte em ações efetivas voltadas para o desenvolvimento e a proteção de crianças e adolescentes.

O segundo desafio está intimamente ligado ao primeiro: como fazer uma gestão ousada e competente destas ações que devem ser efetivadas no âmbito municipal.”

Tradicionalmente as políticas públicas básicas (educação, assistência social, saúde, habitação, cultura, lazer, trabalho, etc.) são setoriais e desarticuladas, respondendo a uma gestão com características centralizadoras, hierárquicas, deixando prevalecer práticas na área social que não geram a promoção humana. Além disto percebe-se que cada área da política pública tem uma rede própria de instituições e/ou serviços sociais. Exemplo disto é a Assistência Social que possui um conjunto de entidades estatais e filantrópicas que prestam serviços na área de forma paralela as demais políticas e muitas vezes atendendo aos mesmos usuários.

    Esta forma de gestão da política pública gera fragmentação da atenção às necessidades sociais; paralelismo de ações; centralização das decisões, informações e recursos; rigidez quanto as normas, regras, critérios e desenvolvimento dos programas sociais; divergências quanto aos objetivos e papel de cada área, unidade, instituição ou serviço participante da rede; fortalecimento de hierarquias e poderes políticos/decisórios e fragilização do usuário – sujeito do conjunto das atenções na área social.

A gestão social orientada pela Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Orgânica de Assistência Social propugna que “a administração do conjunto das políticas públicas e as instituições que as põem em prática passem por um profundo processo de renovação.” (GUARÁ et al, 1998, p. 11) Conforme esta mesma autora uma gestão social moderna exige modelos flexíveis em que o processo de descentralização e participação social sejam efetivados de forma a favorecer parcerias com a sociedade civil organizada nas ações e decisões que dizem respeito ao encaminhamento das políticas públicas.

Importante, então, esclarecer o que é gestão social. “Gestão do social é, em realidade, a gestão das demandas e necessidades dos cidadãos. A política social, os programas sociais, os projetos são canais e respostas a estas necessidades e demandas.” (Carvalho, 1999, p. 19) Assim, pode-se colocar que a gestão social preocupa-se com ações de caráter público e que as redes sociais nada mais são do que um destes canais ou estratégias de enfrentamento das expressões da questão social numa dada realidade municipal.

É bom lembrar que o maior propósito de uma gestão municipal comprometida com a cidadania é desencadear um processo de desenvolvimento social, ou seja ampliar as “condições de qualidade de vida e do exercício dos direitos de uma dada população, com o objetivo de promover o compartilhamento da riqueza material e imaterial disponível em um grupo social, em determinado momento histórico.” (INOJOSA, 1998, p. 41).

A moderna gestão social pauta-se, portanto, em princípios como a descentralização, participação social e intersetorialidade. Este último termo – intersetorialidade – merece destaque especial neste texto. Trata-se da articulação entre as políticas públicas através do desenvolvimento de ações conjuntas destinadas a proteção, inclusão e promoção da família vítima do processo de exclusão social. Considera-se a intersetorialidade um princípio que orienta as práticas de construção de redes municipais.

O que seria rede? Segundo GUARÁ et al (1998, p. 12) “até algumas décadas atrás, usávamos o termo rede na administração pública ou privada para designar uma cadeia de serviços similares, subordinados em geral a uma organização-mãe que exercia a gestão de forma centralizada e hierárquica.” Hoje, “uma rede pode ser o resultado do processo de agregação de várias organizações afins em torno de um interesse comum, seja na prestação de serviços, seja na produção de bens. Neste caso, dizemos que as unidades operacionais independentes são ‘credenciadas’ e interdependentes com relação aos processos operacionais que compartilham.” (GONÇALVES apud GUARÁ et al, 1998, p. 13).

Pensar rede nesta perspectiva exige sintonia com a realidade local, com sua cultura de organização social, bem como uma sociedade civil forte e organizada, capaz de se fazer ativa e participativa diante da administração pública. O termo rede sugere a ideia de articulação, conexão, vínculos, ações complementares, relações horizontais entre parceiros, interdependência de serviços para garantir a integralidade da atenção aos segmentos sociais vulnerabilizados ou em situação de risco social e pessoal.

Assim na área da criança e do adolescente entende-se rede como “conjunto integrado de instituições governamentais, não governamentais e informais, ações, informações, profissionais, serviços e programas que priorizem o atendimento integral à criança e adolescente na realidade local de forma descentralizada e participativa.”(HOFFMANN et al, 2000, p. 6). GUARÁ et al (1998, p. 18 – 32) classifica os tipos de redes que podem ser observadas no espaço local, como: a rede social espontânea; redes sócio – comunitárias; rede social movimentalista; redes setoriais públicas; e redes de serviços privados. Porém a esta classificação acrescenta-se duas outras que retratam com maior dinamicidade as possibilidades de articulação às já existentes, como as redes regionais e as redes intersetoriais. Pode-se observar esta classificação no quadro abaixo:

QUADRO I – CLASSIFICAÇÃO DE REDES SOCIAIS

TIPOS DE REDE

REDE SOCIAL ESPONTÂNEA: constituída pelo núcleo familiar, pela vizinhança, pela comunidade e pela Igreja. São consideradas as redes primárias, sustentadas em princípios como cooperação, afetividade e solidariedade.
REDES SÓCIO – COMUNITÁRIAS: constituída por agentes filantrópicos, organizações comunitárias, associações de bairros, entre outros que objetivam oferecer serviços assistenciais, organizar comunidades e grupos sociais.
REDE SOCIAL MOVIMENTALISTA: constituída por movimentos sociais de luta pela garantia dos direitos sociais (creche, saúde, educação, habitação, terra…). Caracteriza-se por defender a democracia e a participação popular.
REDES SETORIAIS PÚBLICAS: são aquelas que prestam serviços e programas sociais consagrados pelas políticas públicas como educação, saúde, assistência social, previdência social, habitação, cultura, lazer, etc.
REDES DE SERVIÇOS PRIVADOS: constituída por serviços especializados na área de educação, saúde, habitação, previdência, e outros que se destinam a atender aos que podem pagar por eles.
REDES REGIONAIS: constituídas pela articulação entre serviços em diversas áreas da política pública e entre municípios de uma mesma região.
REDES INTERSETORIAIS*: são aquelas que articulam o conjunto das organizações governamentais, não governamentais e informais, comunidades, profissionais, serviços, programas sociais, setor privado, bem como as redes setoriais, priorizando o atendimento integral às necessidades dos segmentos vulnerabilizados socialmente.

Fonte: GUARÁ, et al Gestão Municipal dos serviços de atenção à criança e ao adolescente. São Paulo: IEE/PUC – SP; Brasília: SAS/MPAS,1998.
*Núcleo de Estudos da Família Criança e Adolescente da UEPG – Ponta Grossa/Pr – Org: a autora Ano: 2001

Observa-se que, num município, são possíveis diferentes formas de manifestação das redes e que uma não exclui a existência de outra, porém preconiza-se que haja um avanço no sentido de se organizar redes intersetoriais, se o objetivo for otimizar as ações públicas para o enfrentamento da pobreza.

Por fim, baseado nos autores GUARÁ et al, (1998) e INOJOSA (1999), destaca-se, a partir de agora, os requisitos fundamentais para o trabalho em rede, bem como sua base de sustentação. Estes supõem :


    - O Município como espaço territorial onde as ações e serviços de atenção à família, criança e adolescente se desenvolvem.

    - O Governo Municipal enquanto gestor e os Conselhos como órgãos que garantem o direcionamento das ações, a prestação de serviços de qualidade e a defesa dos direitos fundamentais do cidadão.
    - Desencadeamento de um processo de mobilização para participação dos agentes a serem envolvidos.
    - Diagnóstico das necessidades dos grupos sociais vulnerabilizados e em situação de risco, para se definir prioridades.
    - Definição de projetos específicos e intersetoriais com identificação de objetivos, metodologia de trabalho e previsão dos resultados a serem alcançados.
    - Sinergia e articulação entre todas as instituições e agentes que prestam serviços no município através do compartilhamento de objetivos e ações.
    - Suporte qualificado e gerencial às organizações envolvidas, ou seja, apoio técnico, administrativo, financeiro e político para desenvolvimento de seus propósitos.
    - Parcerias sustentadas no respeito ao potencial de cada ator social.
    - Processo contínuo de circulação de informações.
    - Conquista de legitimidade junto ao município.
    - Definição de um embrião capaz de manter vivo o processo de trabalho conjunto : o Reeditor.
    - Capacitação dos agentes envolvidos.
    - Avaliação e redefinição de estratégias operacionais, como atividade permanente.

Para concluir este texto deve-se enfatizar que repensar o direcionamento das ações das políticas públicas destinadas à família, criança e adolescente exige enfrentar o desafio de, a partir do princípio da intersetorialidade, construir redes intersetoriais capazes de responder as demandas sociais numa perspectiva de garantia dos direitos fundamentais destes segmentos cada vez mais empobrecidos material e culturalmente pelo processo sócio – histórico de exclusão social.



JUSSARA AYRES BOURGUIGNON
* Prof. do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa
Mestre em Serviço Social – PUC/SP
setembro-2001
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. Gestão Social: alguns apontamentos para o debate. In: RICO, Elizabeth de M. e RAICHELIS, Raquel (orgs.) Gestão Social: uma questão em Debate. São Paulo: EDUC; IEE, 1999. p. 19 – 29.

GUARÁ, Isa M. Ferreira da Rosa et. al. Gestão Municipal dos serviços de atenção à criança e ao adolescente. São Paulo: IEE/PUC – SP; Brasília: SAS/MPAS, 1998.

HOFFMANN, C. de F. M.; BOURGUIGNON, J.; TOLEDO, S. e HOFFMANN, T. Reflexões sobre rede de atendimento à criança e ao adolescente. Núcleo de Estudos sobre a questão da criança e do adolescente. Ponta Grossa/ Pr: UEPG, 2000.

INOJOSA, Rose Marie. Redes de Compromisso Social. São Paulo: FUNDAP, 2000, mimeo.

INOJOSA, Rose Marie. Intersetorialidade e a configuração de um novo paradigma organizacional. Revista de Administração Pública. vol. 32, março/abril, Rio de Janeiro,1998.

PEREIRA, Potyara Amazoneide. Centralização e exclusão social: duplo entrave à política de assistência social. In Revista Ser Social. n. 3, julho a dezembro, UNB, 1998.
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