Postado em 13/02/2012 às 22:21
Prof. Dr. Dartiu Xavier: "o abandono social vem
antes, o crack vem depois".
Qualquer política de combate ao uso da droga tende ao fracasso se não for precedida de uma política social consequente. A ação policial na Cracolândia parece algo simplesmente político e midiático.
Alem disso, muitos dependentes não conseguem se manter abstinentes, mas podem modificar padrões de consumo da droga de forma a poderem se tornar produtivos e integrados à sociedade. Daí a importância das medidas de redução de danos, que constituem um conjunto de estratégias para minimizar os riscos relacionados ao consumo. O usuário não vai parar, mas pode reduzir o uso e até estudar ou trabalhar.
O uso de estimulantes, como a cocaína e o crack, atinge também as classes mais favorecidas, mas não com a gravidade com que atinge as pessoas mais pobres, porque a situação destas é grave do ponto de vista social, não apenas do ponto de vista do consumo da droga. É uma população mais vulnerável. E por que o crack? Porque é a droga mais barata para essa população mais miserável. Se fosse na Europa não seria o crack. As populações excluídas da Europa e da Ásia, sobretudo do Leste Europeu, também fazem uso abusivo de outras drogas, pois o crack seria muito caro. E esta situação se vê no mundo inteiro entre as populações excluídas. Por conta desse equívoco básico, existe esse discurso que diaboliza o crack em nosso meio, fazendo da droga a causa de tudo o que é indesejável em nossa cultura.
As pesquisas mostram que para qualquer substância existem sempre os usuários ocasionais e as pessoas que se tornam dependentes. Mesmo para drogas pesadas existem usuários ocasionais. Do ponto de vista médico, as pesquisas são direcionadas para entender justamente isso: por que, por exemplo, pessoas conseguem beber socialmente e outras viram alcoólatras. Por que tem gente que consegue cheirar cocaína esporadicamente e outros se tornam dependentes? As respostas são muito parecidas. O que vai diferenciar um usuário ocasional de um dependente são outros fatores que não têm nada a ver com a droga em si. Podem ser problemas psíquicos associados, como depressão e ansiedade, ou a conjuntura situacional. Em uma situação como a das pessoas que vivem na Cracolândia, ser morador de rua já é, por si só, uma situação de risco elevado.
Dizer que o crack é uma droga definitiva e que ninguém consegue se livrar dela é um mito. Ela não é uma droga pior que heroína, que a cocaína, em termos de grau de dependência. É difícil sair? É, mas é difícil como qualquer droga. O crack não é pior.
Por isso que os trabalhos mais bem-sucedidos são aqueles feitos in loco, por meio de educadores de rua e de agentes de saúde. Não se pode medicalizar uma situação que é social. As experiências de internação compulsória são em sua maioria um grande fracasso. Na hora que você interna compulsoriamente uma pessoa, ela não vai ter acesso à droga porque está em isolamento social. Nessa condição, é fácil para um dependente se manter abstinente. Na hora que sair de lá e voltar para os problemas da vida, no entanto, essa pessoa recai. Isso sem mencionar que o governo não tem equipamento para fazer internação compulsória para todo mundo. As internações acabam por ser feitas geralmente em verdadeiros depósitos de drogados. Parecem mais um campo de concentração do que uma estrutura hospitalar.
Seria a reintrodução do modelo manicomial e asilar para os dependentes. A Luta Anti-manicomial cai por água abaixo, porque o sistema manicomial está voltando sob a justificativa de que a droga demanda uma intervenção urgente.
Não se trata de ser contra a internação, mas de indicá-la apenas quando os dependentes realmente necessitam, o que é uma situação de exceção e não a regra. Não se pode recorrer a internação por razão social ou porque a família está pressionando. Os abusos que se cometem nessas internações são intoleráveis. As internações devem ser reservadas ao pacientes em surto psicótico ou com risco de suicídio.
Os programas de intervenção mais eficazes para dependentes são os que adotam o modelo ambulatorial, onde o paciente aprende a se manter abstinente convivendo em sociedade, com a ajuda de uma equipe multidisciplinar. Essa proposta estaria plenamente contemplada nas orientações do Ministério da Saúde e dentro da filosofia do Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS).
A comunidade científica e os órgãos internacionais que se ocupam do problema das drogas reconhecem a inadequação dos modelos repressivos/coercitivos para dar conta da questão.
Dartiu Xavier da Silveira, psiquatra, é professor livre-docente e coordenador-geral do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo. É também consultor do Ministério da Saúde, professor-orientador do grupo Cochrane do Brasil, membro da American Psychiatry Association, da International Association for Analytical Psychology e da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, além de pesquisador-colaborador da University of California (UCLA).
Qualquer política de combate ao uso da droga tende ao fracasso se não for precedida de uma política social consequente. A ação policial na Cracolândia parece algo simplesmente político e midiático.
O grande equívoco da ação policial do
governo do Estado de São Paulo e da prefeitura da capital na chamada
Cracolândia, o perímetro onde se aglomeram moradores de rua e
dependentes de crack na cidade, definiu, a priori, o fracasso da
operação: o poder público partiu do princípio de que a droga colocou
aqueles usuários em situação de miséria, quando na verdade foi a miséria
que os levou à droga. Este erro de avaliação desqualifica a ação
policial, visto que o abandono social vem antes, o crack vem depois. E a
política social tem que preceder qualquer ação junto a essa comunidade.
Trata-se de uma população privada de seus direitos básicos, sem acesso a
moradia, saúde e educação.
Isto os torna particularmente vulneráveis a uma série de problemas,
inclusive a dependência de drogas. O crack, em especial, pode ser
considerado uma droga particularmente agressiva para o organismo. No
entanto, parcela considerável dos usuários de crack são usuários
ocasionais e não se tornam dependentes. O uso do crack passa a adquirir
uma importância maior e um risco em situações de maior vulnerabilidade. A
internação de dependentes está contraindicada na maioria dos casos e a
internação compulsória costuma ser ainda mais desastrosa em termos de
eficácia. A grande maioria dos dependentes recai logo após a internação,
já que o grande problema para eles é se manter abstinente após a
internação. Para aqueles que se tornam dependentes de uma droga, seja
esta uma droga lícita como o álcool ou uma droga ilícita como a cocaína
ou o crack, o que se recomenda é um tratamento em regime ambulatorial e
não coercitivo, realizado por uma equipe multiprofissional, nos moldes
dos CAPS-AD, como recomenda o Ministério da Saúde.Alem disso, muitos dependentes não conseguem se manter abstinentes, mas podem modificar padrões de consumo da droga de forma a poderem se tornar produtivos e integrados à sociedade. Daí a importância das medidas de redução de danos, que constituem um conjunto de estratégias para minimizar os riscos relacionados ao consumo. O usuário não vai parar, mas pode reduzir o uso e até estudar ou trabalhar.
O uso de estimulantes, como a cocaína e o crack, atinge também as classes mais favorecidas, mas não com a gravidade com que atinge as pessoas mais pobres, porque a situação destas é grave do ponto de vista social, não apenas do ponto de vista do consumo da droga. É uma população mais vulnerável. E por que o crack? Porque é a droga mais barata para essa população mais miserável. Se fosse na Europa não seria o crack. As populações excluídas da Europa e da Ásia, sobretudo do Leste Europeu, também fazem uso abusivo de outras drogas, pois o crack seria muito caro. E esta situação se vê no mundo inteiro entre as populações excluídas. Por conta desse equívoco básico, existe esse discurso que diaboliza o crack em nosso meio, fazendo da droga a causa de tudo o que é indesejável em nossa cultura.
As pesquisas mostram que para qualquer substância existem sempre os usuários ocasionais e as pessoas que se tornam dependentes. Mesmo para drogas pesadas existem usuários ocasionais. Do ponto de vista médico, as pesquisas são direcionadas para entender justamente isso: por que, por exemplo, pessoas conseguem beber socialmente e outras viram alcoólatras. Por que tem gente que consegue cheirar cocaína esporadicamente e outros se tornam dependentes? As respostas são muito parecidas. O que vai diferenciar um usuário ocasional de um dependente são outros fatores que não têm nada a ver com a droga em si. Podem ser problemas psíquicos associados, como depressão e ansiedade, ou a conjuntura situacional. Em uma situação como a das pessoas que vivem na Cracolândia, ser morador de rua já é, por si só, uma situação de risco elevado.
Dizer que o crack é uma droga definitiva e que ninguém consegue se livrar dela é um mito. Ela não é uma droga pior que heroína, que a cocaína, em termos de grau de dependência. É difícil sair? É, mas é difícil como qualquer droga. O crack não é pior.
Por isso que os trabalhos mais bem-sucedidos são aqueles feitos in loco, por meio de educadores de rua e de agentes de saúde. Não se pode medicalizar uma situação que é social. As experiências de internação compulsória são em sua maioria um grande fracasso. Na hora que você interna compulsoriamente uma pessoa, ela não vai ter acesso à droga porque está em isolamento social. Nessa condição, é fácil para um dependente se manter abstinente. Na hora que sair de lá e voltar para os problemas da vida, no entanto, essa pessoa recai. Isso sem mencionar que o governo não tem equipamento para fazer internação compulsória para todo mundo. As internações acabam por ser feitas geralmente em verdadeiros depósitos de drogados. Parecem mais um campo de concentração do que uma estrutura hospitalar.
Seria a reintrodução do modelo manicomial e asilar para os dependentes. A Luta Anti-manicomial cai por água abaixo, porque o sistema manicomial está voltando sob a justificativa de que a droga demanda uma intervenção urgente.
Não se trata de ser contra a internação, mas de indicá-la apenas quando os dependentes realmente necessitam, o que é uma situação de exceção e não a regra. Não se pode recorrer a internação por razão social ou porque a família está pressionando. Os abusos que se cometem nessas internações são intoleráveis. As internações devem ser reservadas ao pacientes em surto psicótico ou com risco de suicídio.
Os programas de intervenção mais eficazes para dependentes são os que adotam o modelo ambulatorial, onde o paciente aprende a se manter abstinente convivendo em sociedade, com a ajuda de uma equipe multidisciplinar. Essa proposta estaria plenamente contemplada nas orientações do Ministério da Saúde e dentro da filosofia do Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS).
A comunidade científica e os órgãos internacionais que se ocupam do problema das drogas reconhecem a inadequação dos modelos repressivos/coercitivos para dar conta da questão.
Dartiu Xavier da Silveira, psiquatra, é professor livre-docente e coordenador-geral do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo. É também consultor do Ministério da Saúde, professor-orientador do grupo Cochrane do Brasil, membro da American Psychiatry Association, da International Association for Analytical Psychology e da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, além de pesquisador-colaborador da University of California (UCLA).
0 comments:
Postar um comentário
Muito obrigado pelo seu comentario