A Secretaria Municipal da Saúde "descobriu" seis meses depois que um dependente químico internado em uma clínica paga pela Prefeitura morreu vítima de ferimentos provocados por um incêndio, em novembro do ano passado. Em janeiro, ainda sem saber do caso, a pasta aumentou em R$ 20 mil o repasse mensal feito à Decisão, que fica em Cajamar, na Grande São Paulo, por causa da operação na cracolândia, e decidiu encaminhar dez pacientes a mais para o local.
Davi da Silva, de 40 anos, estava preso em um quarto da clínica, quando outros dois internos atearam fogo em colchões para conseguir fugir. Ele chegou a ser transferido para um hospital público, mas faleceu após um mês. A secretaria tomou conhecimento da morte apenas no dia 10 de maio, quando uma denúncia de maus-tratos contra outro paciente chegou ao departamento de Saúde Mental. A pasta determinou uma vistoria à clínica, que apontou para a transferência imediata dos pacientes e o rompimento do contrato, oficializado há cerca de um mês.
No relatório técnico apresentado pelos fiscais, há a informação de que outros três pacientes ficaram feridos durante o incêndio. A saída de Davi foi justificada como "alta administrativa". O mesmo documento revela que a secretaria não realizou nenhum tipo de fiscalização no local até o recebimento da denúncia e não tinha informações atualizadas sobre o estado de saúde da vítima.
Para o promotor de Justiça Arthur Pinto Filho, o caso demonstra que "a Prefeitura não tem o menor controle do que ocorre nas clínicas conveniadas". "Demonstra ainda que, no desespero de encontrar local para colocar os dependentes durante a operação na cracolândia, o Município, ao menos em uma primeira análise, não teve dúvidas em comprar mais vagas de um local inadequado. Tirando os usuários dos olhos da população, imaginou que resolveria o problema", disse.
Antes do fim do contrato, a secretaria mantinha 42 pacientes internados na Decisão. Por cada um deles, pagava R$ 2 mil por mês - R$ 84 mil, no total. O pacote deveria incluir, além de estrutura adequada, tratamento médico especializado 24 horas por dia. A fiscalização constatou, no entanto, que os pacientes enfrentam ausência constante de psiquiatras, falta de remédios, problemas de higiene, falta de enfermaria e até "quarto de castigo".
Acompanhamento. Para a vereadora Juliana Cardoso (PT), está evidente que faltou fiscalização na hora de contratar a clínica e acompanhamento para saber o que acontecia com os pacientes internados. "A responsabilidade é do secretário de Saúde, Januario Montone, que foi omisso. Por que ele não denunciou a clínica ao Ministério Público e aos outros órgãos de fiscalização? Ao encerrar o contrato com a Prefeitura, pacientes particulares ainda continuavam a ser tratados no local", diz a petista, que entrou com representação na Promotoria da Saúde.
Na segunda-feira, 25, a reportagem solicitou um orçamento à clínica e constatou que ela continua recebendo novos pacientes. Entre os serviços que oferece está até a remoção involuntária de pacientes, mediante autorização da família. O valor, por seis meses de tratamento, varia de R$ 950 a R$ 14,5 mil. Segundo a clínica, o preço paga o que há de "melhor em estrutura física e tratamento terapêutico".
Adriana Ferraz - O Estado de S. Paulo
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