11/04/2021

DONA MARIA I , A LOUCA ! SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DESMONTA SISTEMA DE ATENDIMENTO A POP RUA E O SUBSTITUI POR "CALL CENTER"

Foto: Inauguração de República  Jovem, postado no Facebook de SMADS em23/02/21. Parceria entre Berenice (SMADS) e OSC APOIO .

   Que a gestão da SMADS vem "descendo ladeira abaixo" há muito tempo, não é novidade... Não que, com essa afirmação, queiramos dizer que a gestão é ruim, pois não seria correto. Afinal, para a gestão da SMADS ser considerada ruim, teria que melhorar muito. Mas, mesmo para quem espera pouco, algumas coisas surpreendem.

Para contar o que está acontecendo, precisamos primeiro fazer uma contextualização. Então, antes de continuar, guarde uma informação que usaremos mais à frente:

Trecho da Portaria 46/SMADS/2010:

Art. 21 - Cabe ao gestor regional da área de abrangência dos serviços conveniados, dos CRAS e dos CREAS, monitorar:
I - o padrão de funcionamento do SUAS no território, vinculando a ocupação de vagas dos serviços com as demandas do CRAS/CREAS, bem como a articulação territorial dos serviços, seja pelo nível de proteção social, seja pelo princípio de completude em rede;
II - a articulação entre as equipes de sua responsabilidade para a inserção das pessoas encaminhadas pelo CRAS/CREAS na rede socioassistencial, bem como das famílias beneficiárias dos Programas de Transferência de Renda – PTR;
III - a operação regular do sistema de monitoramento e avaliação dos serviços socioassistenciais conveniados e da rede direta na área de sua abrangência;
IV - a indicação da necessidade dos serviços em relação aos setores de vulnerabilidade, baseados no estudo do Observatório de Políticas Sociais e da realidade territorial.


Em 2020, em meio à pandemia, a Rede de Assistência Social passou por inúmeros desafios para enfrentar a nova realidade, especialmente no atendimento à população em situação de rua. A situação foi dramática. Naquele momento, a Secretária Berenice, mesmo com o caos nas ruas causado pela pandemia, não suspendeu a "reorganização do Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS)." Durante esse processo, alguns serviços fecharam, outros abriram, e claro, sempre que há mudanças dessa magnitude, há impactos no atendimento à população até que a transição se completasse. Ou seja, quando a população mais precisava, a rede não estava operando a 100% do que deveria oferecer. Ainda assim, em novembro de 2020, a transição foi concluída.

A "grande" reorganização defendida pela Secretária Berenice foi a seguinte: territórios que antes eram atendidos individualmente por diferentes SEAS foram agrupados para serem atendidos por apenas um SEAS. No entanto, o quadro de RH do SEAS restante era menor do que o somatório dos anteriores. Para se ter uma ideia, distritos como Sé, Liberdade e Cambuci têm apenas 4 técnicos (o mesmo número que havia em apenas um SEAS anteriormente), sendo 2 exclusivos para atender crianças e adolescentes e 2 para a população adulta. Nesses distritos, estima-se que existam ao menos 13 mil pessoas em situação de rua. O resultado dessa política é evidente ao andar pelo centro de São Paulo.

Claro, todos nós que trabalhamos na Assistência Social sabemos que, em decorrência da pandemia, o número de pessoas na rua aumentou muito! Famílias inteiras estão agora nas ruas, mudando toda a dinâmica até então observada.

Com uma demanda cada vez maior e menos pessoal para atender, a situação já não estava boa. As vagas na rede de acolhimento, como sempre, eram raras e insuficientes. E agora, com muitas famílias para acolher, a situação se agravou, já que não existem muitos Centros de Acolhida para famílias – a maioria é destinada a homens ou mulheres, e os poucos que existem estão lotados.

Com esse cenário, parecia que já havia problemas suficientes para lidar, certo? Mas calma, isso foi apenas a contextualização. Agora vem o problema maior.


Em 26 de janeiro de 2021, a SMADS anunciou uma mudança: a CPAS, um órgão público, teria suas atribuições transferidas para uma empresa (não uma OSC nem convênio, mas uma empresa mesmo). A partir daquela data, haveria uma "Central de Regulação de Vagas." Parece bom, não é? Só que não... e você vai entender o porquê.

A justificativa da Secretária Berenice (que conduziu o processo pessoalmente) era que, segundo ela, havia vagas na rede socioassistencial, mas as entidades "escondiam" essas vagas de maneira desonesta, e por isso, faltavam acolhimentos. Ela mencionava exemplos, como uma entidade na região da Mooca, que supostamente deixava 300 vagas ociosas todos os dias, mesmo tendo capacidade para mais de 1.000 acolhimentos. Tal revelação deixou todos perplexos, mas como veremos, esses dados foram tirados sabe-se lá de onde.

A primeira ordem foi que todos os serviços deveriam manter sempre atualizado o SISA (Sistema de Informação do Atendimento aos Usuários) para que houvesse controle das vagas em tempo "real." A CPAS, através da empresa ATS (falaremos mais deles a seguir), não mais ligaria para "captar" vagas nos Centros de Acolhida; em vez disso, eles direcionariam conforme o sistema mostrasse a disponibilidade. O resultado? Veja a imagem abaixo:





Lembra do Centro de Acolhida da Mooca que "sobrava" 300 vagas todos os dias? Pois bem, no primeiro dia em que a SMADS direcionou diversos SEAS na cidade para levar usuários a esse local, ocorreu o seguinte: na foto, é possível ver quatro veículos estacionados e um quinto veículo deixando o local. Eles ficaram por mais de 2 horas aguardando, com os usuários, as vagas que o Centro de Acolhida informava não existirem. O resultado foi submeter os usuários a uma situação vexatória e, por fim, os mesmos tiveram de ser levados a outros locais. E você pode imaginar como foi para os orientadores dar essa notícia aos usuários, que a vaga no local pactuado não existia mais.

Após dias com essa situação ocorrendo nesse local e em vários outros, a SMADS reduziu a quantidade de vagas, descobrindo que não eram 5 mil, mas "apenas" 3 mil vagas ociosas. Depois disso, pararam de falar sobre o assunto, pois perceberam os diversos erros cometidos.

Na lista, havia Centros de Acolhida interditados, vagas superestimadas e outros erros. Para que você entenda, eu explico: imagine que a SMADS vai abrir um centro de acolhida para 30 pessoas. Para compor a tabela de custos, a SMADS faz da seguinte maneira: 30 usuários durante o dia e 30 usuários à noite, totalizando 60 vagas. Mas lembre-se, isso é apenas a planilha de custos, não quer dizer que existam 30 usuários de dia e outros 30 à noite! Os mesmos usuários ficam vinculados 24 horas por dia, e portanto, na realidade, são 30 vagas por 24 horas, e não 60 vagas. Mas ninguém explicou isso à secretária, que passou a ser chamada informalmente de Dona Maria I, em referência irônica à monarca louca de Portugal, que dava ordens sem sentido e tomava decisões absurdas. A única injustiça nessa comparação é que Dona Maria I de Portugal nunca conseguiu fazer com que suas ideias insanas fossem aplicadas – os devaneios da monarca eram inofensivos. O mesmo não podemos dizer da comandante da pasta da Assistência Social em São Paulo.

Com números tão frágeis, o que fariam agora com a "Central de Vagas"? Como justificar sua existência? Dona Maria I estava louca, mas não estava derrotada, ela ainda tinha cartas na manga... Mas vamos falar da empresa ATS?


Quem é a Empresa ATS? Quanto custa o "serviço"?

Ao contrário dos convênios com OSCs, em que qualquer pessoa pode consultar o número do SEI e saber TUDO sobre a parceria, no caso de licitações na SMADS é bem diferente... O SEI é restrito (se duvidar, entre na página da SMADS e tente abrir algum processo... qualquer um). Assim, as informações a seguir foram verbalizadas por membros da PMSP em várias reuniões, onde pudemos colher alguns dados.

Sabemos pouco sobre a ATS, mas estima-se que somente o contrato com a SMADS tenha o valor total de 7 milhões de reais! Não é brincadeira, é isso mesmo... Como eles ganham? Por ligação? Por posição de atendimento (estima-se 60 quando for implantada a capacidade máxima)? Ninguém sabe... Mas de onde veio a ATS? Bem, eles têm diversos contratos com o governo do estado e com a prefeitura. Dê uma olhada:














   
 Pelo que a própria empresa mostra, eles têm um vasto repertório de serviços que vai desde a coleta de lixo até call center. Mas você consegue ver a expertise deles em algo que justifique serem o "cérebro" da rede de acolhimento? Que sejam eles a determinar quem é acolhido e onde? Ah, quase ia esquecendo: eles também prestaram serviço na Fundação Casa... Sim, a mesma Fundação Casa que a Secretária Berenice comandava. Eles sentiram saudades? Talvez, sabendo que Berenice estava na SMADS, resolveram se interessar por Assistência Social? Não há qualquer prova de que a escolha tenha sido irregular... talvez legalmente esteja tudo certo. Ninguém sabe, afinal, não se pode ter acesso a nada desses contratos. Mas confiamos nas autoridades e órgãos de controle, certo? Se nada foi apontado, deve estar tudo certo...

Mas afinal, é tão ruim ter uma empresa comandando a parte mais sensível da rede socioassistencial? Bem, avalie pelo seguinte ângulo: você acha que um operador de call center tem condições e o devido treinamento para, ao receber um protocolo via 156, decidir o melhor encaminhamento para o usuário solicitante? Se a resposta é "não", você está certo! Desde o dia 26 de janeiro, o caos está instalado. Chamados somem e nunca são encaminhados para atendimento; os atendentes não sabem a diferença entre os bairros e mandam equipes da zona norte para atender na zona sul (exemplo), mandam famílias para Centros de Acolhida exclusivamente masculinos, e por aí vai... Se fosse listar todos os erros aqui, o texto não acabaria.

Outro aspecto: para justificar os ganhos da empresa (afinal, não é uma OSC, o objetivo da empresa é lucrar!), agora as pessoas em situação de rua estão sendo instruídas a pedir vagas pelo 156! Se o morador em situação de rua não tiver um celular ou acesso a um telefone público (cada vez mais raro), ficará sem atendimento. Afinal, todas as vagas são controladas pela ATS. Não adianta chegar a um agente do SEAS ou na porta de um CREAS e pedir vaga – eles também devem ligar para o 156. Vocês acham isso razoável?

E como se não bastasse, a Secretária confia muito na ATS (desprezando completamente a rede socioassistencial). A ordem é que CREAS, Centros de Acolhida e SEAS estão proibidos de articular vagas! Tudo será centralizado na ATS, isso mesmo! O técnico do CREAS não tem mais autonomia para organizar a rede no território. Se um usuário bater na porta de um Centro de Acolhida (demanda espontânea), ai daquele que acolher sem passar pela ATS. E isso é um direito do usuário! Importante mencionar o esforço da Coordenação da CPAS em atribuir os erros da ATS à rede: nunca é culpa da empresa, o culpado é sempre o SEAS, o Centro de Acolhida, enfim... qualquer um, desde que não seja a empresa. Estranho, né? Muita consideração da CPAS...

Isso muda nossa Portaria 46, lembra dela lá no início? O Conselho Municipal de Assistência Social aprovou? Ninguém sabe. Desde janeiro, o resultado é desastroso. O número de acolhimentos caiu. O atendimento a crianças e adolescentes voltou a ter uma média de espera por vaga acima de 4 horas.

Mas como era feito antes do dia 26 de janeiro? Bem, o mesmo trabalho era feito por cerca de 8 pessoas, entre servidores públicos e funcionários do SEAS 3 (vinculado à CPAS), sem que isso representasse 1 real de custo adicional à municipalidade. Valeu a pena gastar 7 milhões? Veja nas ruas e talvez a resposta seja evidente. Por que não abrir mais espaços de acolhimento? Mais acolhimentos para famílias? A prioridade é a famigerada central de vagas? Em benefício de quem? Sabemos que são figuras muito poderosas, e por isso, não tenha esperança. Dona Maria I, a louca, seguirá reinando por muito tempo enquanto tais interesses forem atendidos.

Mas não pense que acabou... Na segunda parte, que publicaremos esta semana, tem muito mais para sair dessa fossa! Inclusive, vamos trazer – caso não esteja sob segredo de justiça – um processo curioso que envolve a Coordenação da CPAS, tão ocupada em prejudicar a rede socioassistencial, desta vez envolvendo uma empresa de transportes. Não quero dar spoiler, mas há até print do chefe de gabinete rolando por aí...

Como gestora pública, a Secretária precisa aprender a dialogar com todos e a aceitar críticas às suas ações. Afinal, ela é apenas uma gestora transitória. Política pública pertence ao povo, e todos têm o direito de avaliar suas decisões e os impactos que causam nas pessoas. Um toque de humildade lhe cairia bem, majestade. Sim, Berê, você acha mesmo que esse é o momento mais adequado para fazer medidas tão exóticas? Dá uma segurada, né jovem? Eu espero que o Prefeito, quando estiver em seu gabinete no 5º andar, dê uma olhada pela janela... Ele logo perceberá que sua competência é bem limitada para estar à frente de uma pasta tão vital e importante em meio à tragédia social que vivemos. A que ponto chegamos? Saímos de uma gestão de Marcelo Del Bosco, que ia pessoalmente ver como os usuários eram atendidos, alguém que tinha humanidade, para uma gestão cheia de frieza e insanidade. Prefeito, acorda!


A FAS está convocando uma reunião virtual no dia 16/04/2021, às 15 horas (a ser confirmada), com toda a rede de Proteção Especial que atende a População em Situação de Rua. Centros de Acolhida, SEAS, Centros de Convivência, representantes sindicais e todos que queiram debater o tema são convidados para avaliar as medidas da SMADS e tomar as ações que forem possíveis. O link será disponibilizado nos grupos do Telegram do FAS e na página do Facebook.


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